Nos últimos dois anos, os níveis de educação, saúde e qualidade de vida caíram globalmente. De acordo com o relatório Tempos incertos, vidas instáveis: Construir o futuro num mundo em transformação, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o impacto da pandemia da covid-19 reverberou em múltiplas áreas. Um dos meios de medir essa insegurança é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma métrica calculada anualmente para estimar as condições de vida nos países.
Embora o desenvolvimento humano seja um conceito complexo de ser medido, a Organização das Nações Unidas (ONU) utiliza o IDH como possibilidade de leitura métrica. É o que explica Luciana Ziglio, pesquisadora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE), no Programa USP de Sustentabilidade: “Esse desenvolvimento humano pode ser observado pela longevidade populacional, que está associada à qualidade do acesso à saúde, à qualidade de vida que a população possui e ao acesso à educação”.
Educação: a base do desenvolvimento em alerta
Com o mundo ainda em recuperação, a retração do IDH atingiu diretamente os indicadores de educação. “A escolaridade, alfabetização das crianças, expectativas de escolaridade foram variáveis que foram atingidas também”, aponta Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP. Ele ainda afirma que a diminuição na renda média das famílias foi um fator que contribuiu na evasão escolar durante a pandemia, visto que as crianças tiveram que substituir a educação pelo trabalho.
Por dois anos consecutivos, a educação brasileira enfrentou obstáculos para ser oferecida com qualidade. Para Nakabashi, o IDH não captura certos indicadores do setor, como o desempenho dos jovens na prova do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): “A gente teve uma queda tremenda, além dessas crianças ficarem muito tempo fora da escola, com acesso limitado pela internet”. Em comparação com os demais países do mundo, o retorno presencial às salas de aula foi mais demorado no Brasil. “As escolas apresentaram uma média de 279 dias de suspensão das atividades presenciais”, segundo nota informativa do Ideb 2021.
O professor ainda observa que a desigualdade socioeconômica afetou a formação dos jovens: “Aquelas crianças de escolas públicas, que geralmente vêm de classes mais baixas, foram mais prejudicadas ainda, porque elas têm uma estrutura em casa que é mais precária”.
O fator que acentua a queda do IDH
O relatório indica que, enquanto os países com o IDH elevado foram menos atingidos e registraram recuperação, aqueles com baixo índice – em sua maioria, nas regiões periféricas, como a África Subsaariana e o Caribe – obtiveram declínios contínuos. “Isso é meio que natural, aqueles países mais desenvolvidos têm, inclusive, mais recursos para lidar com essas adversidades”, constata Nakabashi. Com melhores estruturas, os países com índice elevado preparam-se melhor para momentos de crise, a exemplo da pandemia de covid-19.
No entanto, ele menciona que as disparidades também são vistas no âmbito nacional. “A mesma coisa acontece dentro do próprio país. Então, não só aumenta a desigualdade entre países, mas dentro do próprio país.” O contraste na absorção dos impactos da pandemia entre diferentes classes reflete esse cenário. Para reduzir a desigualdade no País, o professor orienta que o investimento deve ser planejado para colher resultados em algumas décadas. Programas de transferência de renda, acesso à saúde, acesso ao tratamento psicológico e melhoria na qualidade do ensino público são alguns dos direcionamentos sugeridos por ele.
A política no índice
A ONU coloca três eixos como responsáveis para a instalação de um complexo de incerteza no rumo do desenvolvimento humano. Em síntese, as mudanças climáticas, as transformações sociais e a intensificação da polarização ameaçam uma melhora da vida no planeta. O último item tem recebido atenção nos últimos meses devido ao período eleitoral. O professor entende a polarização como um tema complexo, mas expressa que os políticos brasileiros têm um papel na questão. “Eu acho que todos os políticos deveriam ter consciência do cargo que eles ocupam naquele momento, representando a população, e que deveriam estar fazendo ações para o benefício da população”, opina.
Via: Jornal da USP