Como se estabelece o piso salarial? Quais os critérios usados para determinar o valor do piso? Essas questões surgiram em função da repercussão da sanção da Lei n.º 14.434/2022, no início do mês de agosto, pelo presidente Jair Bolsonaro. A lei fixou o piso salarial do profissional da Enfermagem. Pela lei, o piso salarial do enfermeiro em 2022 é de R$ 4.750,00; o dos técnicos de enfermagem, R$ 3.325,00, e o dos auxiliares de enfermagem e parteiras, R$ 2.375,00. Após um mês da sua aprovação, a medida foi suspensa por liminar do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. A decisão final vai para o Plenário da Corte.
A professora, Luciana Morilas, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, esclarece o que é o piso salarial e alerta que o termo “piso” não pode ser confundido com o conceito de salário mínimo. Os dois institutos estão previstos na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 7º, mas têm objetivos diferentes.
Enquanto o salário mínimo se refere ao valor mínimo que todos os trabalhadores devem receber para atender às necessidades vitais básicas, o piso salarial está relacionado à extensão e complexidade do trabalho realizado. “Para o trabalhador, o piso salarial representa a certeza da valorização da sua carreira e um desestímulo à possibilidade da substituição de trabalhadores por salários menores”, afirma Luciana.
Valor do piso
Para encontrar o valor do piso salarial não existe uma equação padrão, depende de negociações políticas e estudos prévios, que são realizados pelos sindicatos das categorias. O “piso” deve ser proporcional à complexidade e extensão do trabalho, mas como definir essa complexidade? A especialista conta que essa não é uma tarefa fácil.
“A partir de pesquisas de valor médio de remuneração, os sindicatos avaliam se é um valor justo para aquela categoria profissional e fazem uma proposta através de acordos e convenções coletivas de trabalho, que podem ou não ser aprovadas e assinadas por entidades sindicais patronais ou empresas individualizadas,” explica Luciana.
Quando definido pelo sindicato de determinada categoria, o piso salarial só tem validade para a área de abrangência daquele sindicato. Isso faz com que cada Estado ou região tenha um valor diferente de piso salarial de determinada categoria profissional, mas sempre maior que o salário mínimo.
O piso pode ser definido também através de leis federais e estaduais, como no caso do profissional de Enfermagem, que foi definido a partir de uma lei federal. Quando definido através dessa lei, o valor estabelecido vale para todo o território nacional e não apenas para determinado Estado.
Ainda que seja definido através de leis, o papel dos sindicatos é de grande importância, ressalta Luciana. “Os detalhes do dia a dia são conhecidos por quem trabalha e os sindicatos é que contam com essa expertise; então, na maioria das vezes, quem vai auxiliar na definição são os próprios sindicatos das categorias”, por isso é muito importante que as categorias de trabalhadores se unam; “individualmente é muito mais difícil negociar, sempre vai ter alguém que trabalhe por menos”, adianta.
Impacto na contratação
Apesar de muitos entenderem que a definição do piso salarial gera um impacto negativo na contratação de trabalhadores, Luciana acredita que, ao definir esse valor, não existe a possibilidade de contratação de um profissional daquela categoria por um valor menor do que o definido. Dessa forma, o empregador é obrigado a pagar o piso salarial, valorizando aquele trabalho.
A discussão sobre esse tema é extensa e com controvérsias. Enquanto alguns acreditam que cada trabalhador é responsável por negociar seu próprio salário, sem a interferência de terceiros, outros destacam que a realidade não é essa. “Os empregadores querem sempre aumentar sua margem de lucro e o que eles cortam em primeiro lugar é sempre o salário do trabalhador”, afirma Luciana.
São raras as vezes, segundo a especialista, em que o empregador pensa em investimentos para a melhoria da profissão e foi nesse contexto que o Brasil decidiu em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal, criar regras de proteção aos trabalhadores, como o piso salarial e o salário mínimo. A especialista acredita que o impacto dessas medidas é positivo, “vai gerar trabalhadores mais satisfeitos e, portanto, serviços executados com mais qualidade”.
Via: Jornal da USP