Contra o negacionismo e obscurantismo
A escolha de Galvão para a presidência do CNPq, segundo Santos, carrega a mensagem de que “a ciência voltou a ter vez nesse país”, após quatro anos de uma gestão marcada pela negação da ciência e por uma ideologia de perseguição a cientistas e instituições de pesquisa.
Uma das vítimas mais notórias desse período foi o próprio Galvão. Em agosto de 2019, ele foi exonerado da diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) após contestar publicamente declarações do então presidente Jair Bolsonaro, que acusava o instituto de estar a serviço de ONGs internacionais e de produzir dados “mentirosos” sobre o aumento do desmatamento na Amazônia.
Galvão perdeu o cargo mas se destacou, a partir daí, como uma das principais lideranças da comunidade científica brasileira no enfrentamento do negacionismo e do obscurantismo. Nas eleições de 2022, ele concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo partido Rede Sustentabilidade. Não foi eleito, mas recebeu uma votação expressiva, de mais de 40 mil votos.
Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos da USP e ex-presidente do CNPq, elogiou a nomeação de Galvão para o comando da agência. “O professor Galvão combina as qualidades de pesquisador de excelência com longa carreira científica, gestor de instituições de ciência e tecnologia, e ferrenho defensor da ciência, como evidenciado pelo seu firme posicionamento diante das perseguições e ataques do ex-presidente da República contra fatos irrefutáveis sobre o desmatamento da Amazonia”, disse Oliva ao Jornal da USP. “A comunidade científica tem, portanto, grandes expectativas de que ele lidere a retomada do protagonismo do CNPq no fomento à pesquisa brasileira e à formação de pesquisadores, essenciais para a prosperidade sustentável e socialmente justa do nosso país.”
Na cerimônia desta terça-feira, Galvão recapitulou um discurso que fizera em um evento da USP em agosto de 2019, duas semanas após ser exonerado da direção do Inpe. Na ocasião, disse que o Brasil não “voltaria às trevas”, porque a sociedade e a comunidade científica não se calariam diante dos ataques à ciência e às universidades. “Prezada ministra, de fato, o povo brasileiro não se calou”, disse, com a voz embargada pela emoção e coberta pelos aplausos da plateia no auditório do CNPq. “Há pouco mais de um mês derrotamos a truculência negacionista em nosso país”, concluiu, referindo-se ao resultado da eleição presidencial. “No dia de hoje viramos essa página triste de nossa história com a convicção de que a ciência voltará a promover grandes avanços para a nossa sociedade.”
Galvão participou da equipe de transição de governo e disse que ficou chocado com a situação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), comandado até recentemente pelo astronauta (e agora senador) Marcos Pontes. “Além do orçamento e perda de pessoal, houve um grande desmonte da estrutura operacional do ministério, instaurando um sistema quase militar de comando e controle, avesso à autonomia científica e acadêmica, que terá que ser revertido”, disse ao Jornal da USP.
Apesar das duras críticas ao governo anterior, Galvão elogiou o trabalho e a resiliência de seu antecessor à frente do CNPq, o professor Evaldo Vilela, da Universidade Federal de Viçosa, que comandou a agência por quase três anos e conseguiu mantê-la operacional durante esse período, apesar de todas as dificuldades orçamentárias, políticas e administrativas.
Por: Herton Escobar, Jornal da USP