Monday, 08 August 2022 17:07

Um movimento pela Democracia

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 “Todos nós estávamos esperando por algum movimento, alguma sinalização que nos congregasse em torno de uma causa e essa causa justamente são esses valores democráticos. O povo brasileiro valoriza e respeita o Estado Democrático de Direito.”

São palavras da professora Nina Ranieri, da Faculdade de Direito da USP, a respeito da leitura, no próximo dia 11 de agosto, nas tradicionais Arcadas, da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, documento que já reúne mais de 700 mil assinaturas.

A carta nasceu a partir da movimentação de ex-alunos da faculdade, preocupados com repetições de falas governamentais colocando em suspeita a lisura do sistema das urnas eletrônicas nas próximas eleições presidenciais. Em conversa com a direção da faculdade, comandada atualmente pelo professor Celso Fernandes Campilongo, eles expressaram preocupação com as intenções dos críticos ao sistema eleitoral e relembraram a leitura, em 1977, pelo professor Goffredo da Silva Telles, no pátio das Arcadas, da Carta aos Brasileiros, semente importante do movimento da sociedade civil criticando a ditadura militar vigente à época. Foi a semente da nova carta.

A preocupação extrapolou a Faculdade de Direito e estimulou a adesão ao ato de outros setores representativos da sociedade civil. No mesmo evento, no dia 11 de agosto, será lida também a carta Em Defesa da Democracia e da Justiça (veja abaixo), assinada por 108 entidades empresariais e da sociedade, lideradas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e a Federação Brasileira de Bancos, entre outras, e também assinada pela USP, Unicamp e Unesp. “No ano do bicentenário da Independência, reiteramos nosso compromisso inarredável com a soberania do povo brasileiro expressa pelo voto e exercida em conformidade com a Constituição”, diz o início da carta.

As palavras da professora Nina Ranieri na abertura deste texto expressam a importância que as duas cartas e sua leitura no próximo dia 11/8 estão adquirindo no atual momento político.

A seguir, o Jornal da USP apresenta as opiniões de diversos professores da Universidade a respeito do que as cartas, com seus milhares de signatários e apoio de importantes entidades empresariais, civis e trabalhistas representam, neste momento em que o País se aproxima de mais uma eleição democrática para a escolha de seus representantes políticos.

Nina Ranieri – FD
“Além do conteúdo da carta em defesa da democracia, o mais significativo foi a massiva adesão da sociedade imediatamente ao lançamento do documento”, diz Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito (FD) da USP. “Eu considero os seus termos bastante contundentes e eloquentes, mas é um conteúdo apartidário e que nada mais reflete senão valores e princípios democráticos que são muito caros ao povo brasileiro, tanto assim, que essa repercussão é surpreendente, não se imaginava que ela ressoasse tanto na sociedade. Então, acho que essa é a maior importância. Todos nós estávamos esperando por algum movimento, alguma sinalização que nos congregasse em torno de uma causa, e essa causa justamente são esses valores democráticos. O povo brasileiro valoriza e respeita o Estado Democrático de Direito.”

Renato Janine Ribeiro – FFLCH
“A importância da carta em defesa do Estado Democrático de Direito está no fato de que, sem democracia, não temos nada”, diz Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Janine lembra que com o fim da ditadura o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios no Brasil aumentou. “A democracia não é só um regime político, é também um regime social, não trata só de como são eleitas as pessoas, não é um conjunto de procedimentos, não é apenas um conjunto de instituições”, diz ele. “E o fato de que quando todo mundo vota, quando o voto é universal e quando há igualdade entre as pessoas, nem que seja apenas no voto, vão se ampliando os direitos, as reivindicações vão crescendo e dessa maneira se torna possível melhorar as condições de vida”, enfatiza Ribeiro.

José Álvaro Moisés – FFLCH
Para o professor José Álvaro Moisés, da FFLCH, a recente reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores no País foi uma tentativa de legitimar os ataques contra o sistema eleitoral brasileiro. “Jair Bolsonaro, semanas atrás, tinha por objetivo legitimar os sucessivos ataques que ele vem fazendo contra o sistema eleitoral, de urnas eletrônicas, e a própria Justiça Eleitoral brasileira. Bolsonaro conquistou seis mandatos de deputado federal e o de presidente pelo sistema vigente desde 1996, mas fala de fraudes e de manipulação dos resultados de eleições sem jamais apresentar qualquer prova de suas afirmações.”


Eunice Prudente – FD
“ A carta em defesa do Estado Democrático de Direito é uma manifestação de todos os brasileiros. É questão de honra e de dignidade, e a dignidade da pessoa é um dos alicerces deste Estado Democrático de Direito”, diz Eunice Prudente, professora da Faculdade de Direito.


José Eduardo Campos de Oliveira Faria – FD
“A Carta aos Brasileiros e às Brasileiras é uma tentativa muito clara de, a partir dessa mobilização da sociedade civil, tentar de certo modo neutralizar esses quatro obscuros anos que nós tivemos em matéria de gestão da Presidência da República”, diz o professor José Eduardo Faria, da Faculdade de Direito. “Nós não tivemos no momento um presidente comprometido com as liberdades fundamentais, compromissado com a democracia representativa, e que passou uma parte significativa de seu tempo agredindo as instituições, agredindo, principalmente, o poder Judiciário e seus membros”, afirma, e continua: “Tudo dentro de uma mobilização claramente golpista, em um discurso absolutamente anti-institucional e, ao mesmo tempo, tentando colocar as forças armadas a serviço do seu governo, e elas, que são instituições do Estado, acabam tendo a sua autoridade maculada.”

 

Guilherme Wisnik – FAU
“A importância da carta em defesa da democracia está em que uniu novamente a sociedade pela luta em favor da liberdade democrática, pois as pessoas estavam desestruturadas nos últimos tempos pela falta de manifestações de rua, em função da pandemia, que nos obrigou ao isolamento social”, diz Guilherme Wisnik, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “É muito importante, em grande medida, porque a sociedade, as forças de esquerda e as forças progressistas ficaram muito desestruturadas nos últimos tempos pela falta da rua”, acrescenta. “A gente passou dois anos de desmandos absurdos de política genocida durante a pandemia de coronavírus no Brasil, em que as forças progressistas, que sempre estiveram na organização popular das ruas, se impediram de sair às ruas porque tinham um mínimo de consciência cívica, sabiam dos riscos à saúde, não só à própria, mas à saúde coletiva”, explica. E finaliza: “Enquanto isso as ‘motociatas’, as carreatas, enfim, as manifestações das forças conservadoras – que sempre escracharam as prevenções de saúde, falavam em gripezinha – valorizam o uso do automóvel, a corrida, a lógica individualista, dominaram as ruas.”


Alberto do Amaral Junior – FD
Alberto do Amaral Júnior, professor da Faculdade de Direito, comenta que a carta aos brasileiros e brasileiras é um símbolo de representatividade pelo engajamento dos vários setores da sociedade brasileira. “A nova carta lançada é particularmente importante, porque é altamente representativa, é o símbolo da manifestação, não apenas de um grupo de professores de direito, mas de amplos setores e segmentos da sociedade brasileira”, ressalta. “Estamos conscientes que a carta é fundamental, porque ao reivindicar a democracia, ela reivindica um espaço público de livre circulação das ideias”, acrescenta. “Hoje, no Brasil, a democracia é um valor fundamental, numa época de populismo, numa época de atentados constantes à institucionalidade do poder, institucionalidade do poder vista como a existência de instituições que garantem a manifestação da vontade do povo e que preservam os direitos constitucionais”, aponta. “Não é possível que não exista pluralismo, o pluralismo é essencial ao regime democrático, é importante que cada grupo, que cada segmento, que cada classe tenha a oportunidade de manifestar as suas opiniões em liberdade”, finaliza.


Francirosy Campos Barbosa – IP- Ribeirão Preto
”Precisamos garantir as rédeas desse processo democrático que é a eleição. Neste momento, no 11 de Agosto, onde a carta vai ser lida, poderemos de fato marcar a nossa presença”, diz Francirosy Campos Barbosa, professora do Instituto de Psicologia da USP no campus de Ribeirão Preto. “Em nossa cidade vamos ter também a leitura da Carta, na Faculdade de Direito, às 10 horas. Quanto mais pessoas estiverem presentes, melhor, porque já há 700 mil pessoas que a assinaram, o que sinaliza de forma muito positiva a importância de retomarmos a carta aos brasileiros de 1977″, afirma. “Que haja reuniões não só no Largo de São Francisco, em São Paulo, mas em todas as faculdades de Direito, que grupos e movimentos sociais possam se reunir também e fazer sua leitura, porque isso de certa forma vai ressaltar a importância do Estado Democrático de Direito”.


Claudia Souza Passador
“O Brasil pós-Constituição de 1988 finalmente elencou uma série de políticas universalizantes, que defendem a dignidade humana a partir da educação pública universal e laica, a questão da saúde pública e tantas outras políticas que garantem essa dignidade. No momento, a sociedade brasileira sofre um ataque a esses princípios”, diz Cláudia Souza Passador, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP. “A carta assinada por tantas pessoas no Brasil e por tantas instituições demonstra não só indignação, mas a preocupação com essa questão. Estamos no momento em grande fragilidade e a união tanto da sociedade civil como do governo local e dos Estados em prol da democracia é crucial para a manutenção e permanência dos direitos adquiridos”, acrescenta.

 

Maria Paula Dallari Bucci – FD

“O engajamento de toda a sociedade civil é importante no momento, pois traz à lembrança a longa movimentação que o Brasil fez no processo de conquista da democracia, depois de longos anos vivendo sob a ditadura militar, entre 1964 e 1985″, afirma a professora Maria Paula Dallari Bucci, também da Faculdade de Direito. “Por 21 anos, o País sofreu censura, repressão e atos institucionais sufocantes”, acrescenta. “O ato de leitura das Cartas reúne, hoje, um arco muito amplo de apoios que inclui empresários, estudantes, pessoas da sociedade civil, e tem que ser muito celebrado e festejado, na medida em que lembra a movimentação que o Brasil fez no seu longo e árduo processo pela conquista da Democracia, que teve como marco a leitura da Carta aos Brasileiros pelo professor Silva Telles, em agosto de 1977.”

“É importante zelar por nossa tradição de eleições periódicas livres e ressaltar que, depois dos anos 90, as urnas eletrônicas foram reconhecidas, pelo amplo espectro dos praticantes da democracia, como um grande avanço para o País porque permitem que o resultado seja divulgado rapidamente e não geram dúvidas sobre ele”, afirma ela. “Isso é uma conquista, principalmente se lembrarmos da história republicana brasileira, o voto de cabresto, as eleições a bico de pena; temos que entender que eleições, cujo resultado é reconhecido por todos os participantes, é alguma coisa que deve ser muito valorizada”, finaliza Maria Paula.

Via: Jornal da USP

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