O diretor e professor Sigismundo Bialoskorski Neto inicia nesta semana o debate sobre o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp) e as cotas públicas. "A ideia de que a USP cumpra com sua função de desenvolvimento de áreas pobres e traga o pobre para dentro da universidade, acho que é inquestionável e deve existir. A forma de fazer isso é que nos deixa bastante apreensivos", afirma.
Confira a entrevista completa:
Como você avalia as políticas de cotas?
Uma função importante da Universidade é promover o desenvolvimento em áreas pobres, principalmente no estado de São Paulo. Outra função importante da USP é promover também o Ensino Superior para classes mais pobres. Neste momento, tem alguém das favelas de Ribeirão Preto comprando um quilo de feijão e pagando imposto e essa pessoa está ajudando a sustentar os estudos dos alunos na Universidade e pagando o salário dos professores. O dinheiro que financia a Universidade, em parte, é gerado também por essa massa pobre, que não recebe os serviços da instituição. Isso é muito preocupante. Atualmente na USP existe o Inclusp [saiba mais sobre o Programa de Inclusão Social da USP aqui], e ele poderia sem dúvida ser ampliado. A USP não pode mais ficar dormindo em berço esplêndido, porque cada pobre que consome arroz e feijão neste estado está pagando ICMS e esse imposto vem para a Universidade de São Paulo e está sustentando alunos e professores. A Universidade é concentradora de renda. Fazer um esforço de inclusão continuando a concentrar renda como a Universidade concentra é extremamente errado.
As cotas podem afetar a qualidade das universidades paulistas?
Para quem se preocupa que isso possa prejudicar a excelência da Universidade, é importante lembrar que a qualidade da USP é dada por publicação e pós-graduação e não pela graduação, essa basicamente não entra em nenhum desses avaliadores de excelência. Se tivermos 30% ou 50% de pobres na graduação, isso não impactaria a excelência da Universidade. Deve existir uma política de cotas em que prevaleça a excelência. Mas há um problema, quando você tem uma determinada quantidade de vagas destinadas a cotas, há pessoas que acabam entrando na Universidade sem o preparo necessário para isso. Então uma política que reserve espaço dentro da Universidade para os pobres deve necessariamente ter todo um programa por trás dela que garanta que essa pessoa, ao chegar à instituição, tenha condição de estudar e a mesma formação que tiveram os outros.
O programa do governo estadual prevê que os alunos realizem um curso prévio, de dois anos, antes de ingressar nas universidades, uma espécie de 'college'. Como você avalia isso?
Será que, se a Universidade fizesse esses colleges para preparar melhor os alunos que estão entrando, ela não estaria cumprindo a função que é do Ensino Médio? E até permitindo que o Ensino Médio no estado continue com baixo desempenho? A questão não é se parte das vagas seria direcionada ou não aos mais pobres, e sim como é que você pode preparar essas pessoas para entrar na Universidade e de quem é a responsabilidade dessa preparação. A responsabilidade é sem dúvida do Ensino Médio. Ao invés de se criar colleges dentro das universidades, você pode fazer com que escolas de Ensino Médio tenham padrões de excelência. Isso é fácil de fazer, precisa apenas de investimento, recurso, professores e vontade. Por que pegar um aluno que está com a família em Barretos ou em outra cidade e trazer para estudar no college na universidade? Em cada uma dessas cidades você deveria ter uma escola de excelência que permitisse que esses alunos pudessem entrar na universidade de uma forma mais favorável. Essa é a grande questão. Se o governo não foi competente até então para promover um Ensino Médio de qualidade será que a transferência dessa responsabilidade para a Universidade é legítima? Outra grande questão é o timing que tem essa política: quando ela vai começar, porque e de que forma.
Qual seria a sua sugestão para substituir a implantação dos colleges nas universidades estaduais?
Faculdades municipais do Estado. A FEA-RP, por exemplo, tem uma relação grande com o Imesb, que cumpre uma ótima ação social, porque a pessoa que vive e trabalha em Bebedouro, pode estudar em Bebedouro. É completamente diferente de ela ter que estudar em Ribeirão Preto, São Paulo, Piracicaba. Você tem que pensar que o problema de uma pessoa pobre não vai ser somente o acesso ou as políticas de permanência como casa do estudante, bandejão, porque muitas vezes essa pessoa também trabalha e ela acaba sustentando a própria família. Qual é a responsabilidade do Estado com essas faculdades municipais? Não seria, talvez, uma alternativa disseminar o ensino universitário nos municípios do estado de São Paulo apoiado pelas três grandes universidades paulistas? Não seria uma política mais efetiva? A ideia de que a USP cumpra com sua função de desenvolvimento de áreas pobres e traga o pobre para dentro da universidade acho que é inquestionável e deve existir. A forma de fazer isso é que nos deixa bastante apreensivos. Talvez se você ampliasse o Inclusp e as universidades estaduais investissem junto com a Secretaria da Educação no Ensino Médio seria também algo interessante.
Foto: USP Imagens