Este boletim apresenta dados sobre o número de casos notificados de dengue e alguns de seus determinantes no estado de São Paulo. A análise foi realizada com base em dados coletados pelos serviços de saúde nos municípios e estados. Hospitais, unidades de saúde, laboratórios e outros pontos de atendimento são responsáveis por registrar os casos suspeitos e confirmados da doença. O Centro de Vigilância Epidemiológica Alexandre Vranjac (CVE), que coordena e normatiza o Sistema de Vigilância Epidemiológica (SVE-SP) no estado de São Paulo, publica anualmente pesquisas relevantes para a Saúde Pública, as quais também foram utilizadas nesse boletim.
Além disso, foram analisados dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), vinculado à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA) do Ministério das Cidades. Os mapas comparativos do aumento de casos notificados foram elaborados com o uso do software QGIS, que permite a visualização, edição e análise de dados através de linguagens de programação. No comparativo dos resultados, utilizou-se o software R Studio para a análise de dados e cálculos estatísticos.
Ao utilizar a base de dados de casos notificados e confirmados por município, diferenciando casos autóctones (casos de dengue contraídos dentro do município de residência, indicando transmissão local) e casos importados (contraídos fora do município de residência, geralmente em outras regiões ou países, e diagnosticados no município), foi possível identificar, por meio de mapeamento, as regiões do estado de São Paulo que registraram as maiores variações no número de infectados pela doença entre 2010 e 2023.
A Tabela 1 de estatísticas descritivas apresenta os valores mínimos, médios e máximos das variáveis observadas. A última coluna mostra o desvio padrão, que mede a dispersão dos valores em relação à média. Nota-se que a altitude dos municípios paulistas, medida em metros, possui o maior desvio padrão. Algumas variáveis apresentadas na Tabela 1 estão relacionadas ao clima regional, como altitude (em metros em relação ao nível do mar), chuva (quantidade de chuva anual em milímetros) e temperatura (em graus celsius). Elas potencialmente afetam a proliferação do mosquito e, por isso, foram incluídas na presente análise. Outras, podem afetar o número de casos via capacidade de investimento em infraestrutura e prevenção, como o PIB per capita (PIBPC2010), Índice de Tratamento de Esgoto (ITE) e Índice de Água Tratada (IATA). Os dois índices são a proporção de domicílios atendidos por água e esgoto tratados, respectivamente.
Tabela 1 – Estatísticas descritivas
No Mapa 1, nota-se que, em 2010, as regiões norte e noroeste do estado foram as mais afetadas pela dengue. De acordo com dados divulgados pela Secretaria da Saúde nesse período, a principal causa desse cenário estava ligada à temperatura média, entre 27ºC e 30ºC, e à alta umidade nessas áreas. Além disso, deficiências na infraestrutura urbana agravavam a situação, com a falta de saneamento básico forçando os moradores a armazenarem água em casa. Esse fator contribuía para a proliferação do mosquito e acelerava a transmissão da doença.
Mapa 1 - Casos notificados por 100 mil habitantes no estado de São Paulo em 2010
O Mapa 2 mostra os casos de dengue por 100 mil habitantes em 2022. As regiões norte e noroeste do Estado de São Paulo registraram os maiores índices, com diversos municípios superando cinco mil casos a cada 100 mil habitantes. Votuporanga foi a cidade com o maior número de casos, totalizando 6,6 mil notificações. Araraquara apareceu em segundo lugar, com 5,4 mil registros. São José do Rio Preto e Ribeirão Preto também se destacaram entre os municípios com mais casos da doença.
Mapa 2 - Casos notificados por 100 mil habitantes no estado de São Paulo em 2022
O Mapa 3 mostra a evolução dos casos notificados por 100 mil habitantes em 2023, destacando um aumento significativo na proliferação da doença na região oeste do estado em relação a 2010. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as mudanças climáticas, incluindo invernos mais quentes e a presença de massas de ar quente e seco, como as observadas em 2023, podem ter contribuído para esse aumento. O calor favorece a reprodução do mosquito. Vale ressaltar que o inverno de 2023 foi o mais quente em São Paulo desde 1961.
Mapa 3 - Casos notificados por 100 mil habitantes no estado de São Paulo em 2023
A Tabela 2 apresenta os resultados de cinco especificações que foram estimadas pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), com erros robustos à heterocedasticidade. Os resultados apontam quais as variáveis mais relacionadas aos casos positivos de dengue por 100 mil habitantes, sendo esta a variável dependente. Entre parênteses, estão os erros-padrão correspondentes a cada coeficiente.
Os resultados da Tabela 2 mostram que o ITE tem um efeito positivo e significativo. Portanto, controlando para as demais variáveis, o índice de tratamento de esgoto não parece reduzir o número de casos de dengue nos municípios paulistas. Também contrário ao esperado, o índice de tratamento de água possui uma associação positiva com a taxa de dengue, embora o efeito não seja robusto.
Os resultados da Tabela 2 ainda indicam que a altitude é relevante na taxa de dengue municipal, com elevações da altitude reduzindo o número de casos, mesmo quando se controla para a temperatura no caso dos resultados apresentados na Coluna (4). Considerando o coeficiente estimado da altitude na Coluna (5), uma elevação da altitude em um metro resulta em uma redução de 1,24 casos de dengue por 100 mil habitantes. Assim, regiões de maior altitude tendem a registrar menos casos confirmados de dengue. Esse resultado pode ser explicado pelas condições de temperatura necessárias para a reprodução do Aedes aegypti, entre 22ºC e 32ºC, e para a longevidade e fecundidade dos adultos, que variam entre 22ºC e 28ºC. Os dados mostram uma associação elevada entre temperatura e altitude, além dos resultados apresentados na Tabela 2 apontarem que a altitude não é significativa quando a temperatura é significativa e vice-versa. Dessa forma, é possível que as duas variáveis estejam captando, sobretudo, o mesmo efeito da temperatura.
Os resultados dos índice pluviométrico apontam que cada milímetro adicional de chuva anual resulta em um aumento, em média, de 4,02 casos de dengue por 100 mil habitantes por ano. Isso ocorre porque regiões com maiores índices pluviométricos oferecem condições mais favoráveis à proliferação do mosquito, já que a água tende a se acumular em recipientes, pneus, calhas e outros locais que servem como criadouros do Aedes aegypti.
Na Tabela 2, os coeficientes estimados da latitude são positivos, indicando que quanto mais ao norte do estado, maiores os casos de dengue por 100 mil habitantes, visto que maior a latitude significa que mais ao norte está o município. O efeito negativo da longitude mostra que quanto mais ao oeste do estado, maior o número de casos, pois maior longitude implica que o município está mais ao leste do estado paulista. Essas variáveis geográficas afetam diretamente o clima, influenciando a presença e atividade do Aedes aegypti. Mesmo quando se considera a altitude, quantidade de chuvas e temperatura, os municípios mais a oeste e norte do estado tendem a experimentarem maiores taxas de dengue. No entanto, como a temperatura perde significância com a introdução dessas variáveis, e provável que parte da explicação da longitude e latitude seja via temperatura média anual dos municípios.
O coeficiente de determinação (R²), apresentado nas Colunas (1) e (2) da Tabela 2, é de apenas 0,04, indicando que as variáveis explicativas consideradas nessa coluna explicam apenas 4% dos casos de dengue por 100 mil habitantes. Com a introdução das variáveis geográficas, o R² fica entre 0.17 e 0,19, indicando melhora na explicação dos casos de dengue por 100 mil habitantes (entre 17% e 19%). No entanto, a maior parte dos casos não é explicada pelas variáveis consideradas na análise em qualquer uma das especificações consideradas, apontando que variáveis comportamentais podem ser relevantes na taxa de dengue entre os municípios paulistas.
Tabela 2 - Variável dependente – Casos de dengue por 100mil habitantes
Na Tabela 3 estão os resultados da diferença do números de casos de 2023 e 2024. Os resultados mostram que acesso à água e esgoto tratados, além do PIB per capita parecem não ter influência sobre o crescimento da dengue por 100 mil habitantes no primeiro quadrimestre de 2024 em relação ao mesmo período de 2023.
Ainda de acordo com os resultados na Tabela 3, chuvas parece ter um efeito negativo quando se controla para latitude e longitude, assim como a temperatura quando não se considera latitude e longitude. Esses resultados indicam que o maior crescimento dos casos por 100 mil habitantes ocorreu, sobretudo, em áreas que não possuem tanta chuva e onde o clima é mais ameno. Isso pode indicar que, em 2024, a dengue se espalhou em regiões onde sua incidência não era tão comum em anos anteriores.
O fato da latitude e longitude terem um sinal positivo, indicam que municípios mais ao norte e leste do estado foram aqueles que presenciaram maior crescimento nos casos, o que indica, pelo menos em parte, que os municípios com menor número de casos de dengue por 100 mil habitantes foram aqueles que tiveram maior crescimento no número de casos, pelo menos quando se considera aqueles mais ao leste do estado de São Paulo, ou seja, quando se considera a longitude. A latitude indica que os municípios mais ao norte paulista foram o que apresentaram maiores taxas de crescimento no número de casos de dengue por 100 mil habitantes, mesmo sendo municípios com já elevadas taxas da doença em 2023.
Tabela 3 – Variável dependente: Diferença entre casos por 100mil habitantes entre 2023 e 2024 (janeiro até abril)
Por: Centro de Pesquisa em Economia Regional (Ceper) da Fundace.