Terça, 03 Dezembro 2024 16:03

O Centro de Pesquisa em Economia Regional (Ceper) da Fundace divulga boletim sobre Segurança Pública

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Os estudos sobre o crime organizado no Brasil, a partir da década de 1980, indicam que suas origens podem estar ligadas ao movimento do cangaço, que se destacava pela organização hierárquica, divisão de funções e práticas como saques a pequenas vilas e extorsão de dinheiro. Além disso, o jogo do bicho pode ser considerado o primeiro esquema de infração penal organizada no Brasil, envolvendo apoio político e policial, movimentando cerca de US$ 500.000 na década de 80 (OLIVEIRA FILHO, 2013). Com o tempo, o crime organizado passou a se fortalecer, especialmente através da sua associação com o tráfico de drogas, uma problemática social que recruta jovens e crianças, em sua maioria de periferias, causando instabilidade em comunidades e famílias.

Nesse contexto, expressões como crime organizado e organização criminosa começaram a ser usadas frequentemente em referência ao tráfico de drogas. No âmbito jurídico, a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) define essas expressões como atividades ilícitas que envolvem quatro ou mais pessoas agindo de forma organizada, com divisão de tarefas, buscando vantagens de qualquer natureza, resultando em crimes cujas penas máximas ultrapassam quatro anos. Socialmente, o conceito de crime organizado está frequentemente associado às facções surgidas nos presídios, formadas como um subproduto das políticas de segregação de detentos, resultando em alianças de sobrevivência (SALLA; TEIXEIRA, 2020).

De acordo com um estudo da Secretaria de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senappen), realizado em 2023, existem atualmente cerca de 72 facções criminosas originadas em presídios brasileiros, sendo as mais notórias o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). O Comando Vermelho teve sua origem em 1970, no Instituto Penal Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, resultado da união entre presos comuns e políticos durante a ditadura militar. Uma de suas primeiras iniciativas foi a criação de uma caixa comum, um fundo mantido por membros em liberdade para financiar fugas, melhorias nas celas e o assistencialismo às famílias dos detidos. Durante a década de 1980, a facção migrou de assaltos a bancos para o fortalecimento do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, consolidando seu poder através da intimidação e violência em comunidades vulneráveis (OLIVEIRA FILHO, 2013).
Em resposta ao domínio do Comando Vermelho, surgiram as milícias, grupos formados por agentes ou ex-agentes públicos armados, que passaram a cobrar taxas por proteção e a dominar serviços essenciais nas comunidades, como transporte alternativo, distribuição de água e gás, e redes clandestinas de TV e internet (OLIVEIRA FILHO, 2013).

O PCC, por sua vez, surgiu em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, com o objetivo de combater a opressão nos presídios paulistas. O grupo também criou sua própria caixa, um fundo abastecido por contribuições de membros em liberdade e presos, utilizado para apoiar as famílias dos integrantes e financiar operações de resgate (OLIVEIRA FILHO, 2013).

A década de 1980 em São Paulo também foi marcada pela ascensão de justiceiros, indivíduos que, com o apoio de comerciantes e líderes comunitários, agiam em áreas pobres. A violência policial e os grupos de extermínio se intensificaram, vitimando predominantemente jovens negros e moradores de bairros carentes (MANSO; DIAS, 2017).

Com o passar dos anos, as facções criminosas cresceram em poder e influência, dominando territórios e rotas estratégicas, o que lhes permitiu atuar em diversos mercados ilícitos, incluindo tráfico de drogas e armas, crimes patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, crimes financeiros e extorsão. O impacto econômico e social dessa atuação é significativo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com a Fiesp e a Firjan, estima que o crime organizado custa ao Brasil cerca de R$ 453,5 bilhões por ano, devido à sonegação de impostos e furtos de energia e água. Além disso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o tráfico de cocaína entre o Brasil e outros continentes, como Europa, Ásia, África e Oceania, gera um faturamento estimado em US$ 65,7 bilhões, o que corresponde a cerca de 3,98% do PIB brasileiro em 2021 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Esfera Brasil, 2024).

Atualmente, a maioria das facções criminosas brasileiras atua em atividades como tráfico de entorpecentes, roubos, golpes digitais, extorsão e lavagem de dinheiro. O PCC, com mais de 30 anos de existência, está presente em 23 estados brasileiros e consolidou-se como a maior facção no tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Já o Comando Vermelho, que atua em 20 estados, é amplamente conhecido pelo tráfico de drogas e contrabando de armas, veículos e ouro. Dessa forma, pode-se observar que tais facções predominam o vasto território brasileiro conforme a figura abaixo (Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Esfera Brasil, 2024).


Figura 1- Mapa das organizações criminosas por estado
Mapa das org criminosas
Fonte: Elaboração Própria com dados do Fórum brasileiro de segurança pública.



Organizações Criminosas adquiriram caráter empresarial, constituindo um importante fator na sua expansão a nível nacional e internacional. Em um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA), Melo (2015) faz uma análise do fenômeno social do crime organizado. O autor utiliza como base um dos conceitos desenvolvido por Thomas Schelling na obra “Choice and consequence” - organização criminosa em sentido estreito e amplo.

Já com relação ao sentido amplo, o processo de expansão da facção ocorre por economias de escala. Desse modo, verifica-se a maturidade da organização criminosa como firma, por meio de uma associação durável e similar a uma empresa, o que não descarta os objetivos de caráter criminoso no âmbito de sua atividade. Entretanto, é distinto esse caráter criminoso, pois a violência tende a estar presente em menor grau - afinal crime e violência não são termos coextensivos (MELO, 2015).

O objetivo geral das organizações criminosas é obter ganhos econômicos e de poder - os dois objetivos nem sempre se separam. Há formas de produzir renda a partir de poder, bem como formas de obter poder e de fortalecê-lo por meio de renda (MELO, 2015). Em primeiro lugar, na concepção corriqueira, firmas visam lucros - mas no âmbito das organizações criminosas elas visam poder - as que mais preocupam são as que visam expandir, controlar e dirigir o poder político. Tem-se como exemplo os Estados Unidos e a Itália que tiveram experiências sérias e prolongadas com a interpenetração de crime organizado e poder político (MELO, 2015) . Em segundo lugar, as firmas vendem e cobrem seu custo de operação obtendo faturamento com o fornecimento de bens e serviços. Algumas organizações criminosas vendem bens ou serviços proibidos por lei (drogas recreativas, armas sem licença, produtos com marcas falsas, produtos contrabandeados), mas outras não vendem (MELO, 2015).

Nessa ótica da organização criminosa como uma firma, é possível verificar que pelo menos uma das etapas produtivas de atividade precisa ser ilícita. Por exemplo, aquisição de insumos (materiais gastos na produção e serviços de mão de obra), aquisição de bens de capital (instalações e bens duráveis), atividades de produção e fornecimento dos produtos (bens ou serviços) (MELO, 2015). Ressalta-se que modificações em aspectos do tempo e do espaço, desde que geram utilidade para o consumidor, como intermediação, distribuição, transporte, estocagem, também são atividades produtivas (MELO, 2015).

A Figura 2 ilustra a dimensão da atuação empresarial do crime organizado, de modo que fica nítida a dimensão transnacional alcançada, que é ilustrada pelo alcance nos cinco continentes, e pela diversificação produtiva. Além disso, a região amazônica brasileira tornou-se um dos principais focos de disputa entre essas facções, com cerca de 22 organizações criminosas diferentes atuando não apenas no tráfico de drogas, mas também na extração ilegal de ouro e outros minerais (Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Esfera Brasil, 2024).


Figura 2 – Principais fluxos ilícitos transfronteiriços internacionais
Principais fluxos ilicitos
Fonte: Fórum brasileiro de segurança pública; Esfera Brasil, 2024, p. 14


Dessa forma, os grupos criminosos vêm apresentando grande evolução em sua capacidade de organização, com objetivos e organização cada vez mais semelhantes ao de empresas legais, exceto pelo componente ilegal das atividades e violência empregada. A questão da organização e ampliação dos grupos criminosos no Brasil vai além de suas fronteiras. O controle do crime organizado, com consequente redução em seu poder, é um dos principais desafios da atualidade brasileira. Pela sua atuação, que vai além das fronteiras dos estados da federação e do próprio país, a cooperação e coordenação nas políticas públicas de segurança adotadas pelos governos federal e estaduais são cruciais para lidar com esse problema.

Por: Centro de Pesquisa em Economia Regional (Ceper) da Fundace.

Lido 210 vezes Última modificação em Terça, 03 Dezembro 2024 16:37